terça-feira, 4 de agosto de 2020

01h50 é hora do encontro com Ravel, que criou para mim uma música esplendorosa, cheia de vigor e encantamento. Ravel, hoje acendo castiçais com velas cor de sangue sobre sua lápide. E me exibo lascivamente sob sua memória. Saio sôfrega e volto tonta para a mediocridade de uma existência solitária, sem ouvir sua voz, sem poder sentir o seu cheiro e a textura de sua pele doce que me dava todo encantamento.
Lucy Girard.
Andar pelas ruas na noite pastosa que antecipa o frio corrosivo nas carnes. Ruas
mijadas e cagadas por notívagos bêbados em cidades desoladas da cultura. Lugar povoado de pequenos comerciantes do tráfico ilícito e de vendedores de substâncias artificiais lícitas. Reino de medíocres e parcos gênios. Todos vivendo segundo suas fantasias e libertando seus vampiros sedentos de sangue e prazer. Perigo ronda à solta e mulheres são desrespeitadas, espancadas e violentadas pelo vil prazer masculino. Mulheres reinam absolutas sobre todos os passantes e quanto mais provocantes são, mais chances têm de serem chamadas de putas. O motivo:
inveja masculina do poder que as mulheres possuem sobre os que se acham poderosos. O reino é feminino e o anúncio já foi feito. Esperem...não serão dilacerados!
by Lucy Girard
Meus sonhos devaneantes, minha criancice insistente, meu jeito espontâneo, meu laço de fita preto em meus cabelos negros ou
Meus sonhos devaneantes, minha criancice insistente, meu jeito espontâneo, meu laço de fita preto em meus cabelos negros ou loríssimos, meu vestido de chita, meu estojo de histórias, meu quarto sem móveis, minha escova imunda sobre a cômoda do quarto, minha roupas de segunda mão espalhadas sobre a banqueta, minha falastrice, meu pânico da crueldade da vida e da solidão, minha volúpia ardente e incendiante, meu céu de cetim verde, minha malha a la Kurt Cobain, meus discos riscados, minhas antigas cartas jogadas em um saquinho de presente, meu desânimo, minha desesperança, minha falta de ambição, minha incapacidade de ficar rica, meu desejo de fazer amigos, minha busca por identidade, meu mundo particular, meu banheiro analista, meus amigos ocultos, os vultos cinzas que vejo às vezes, minha vontade de cantar, meu amor exagerado por algumas pessoas, minha bobice imbecil, minha credulidade, meu partido pelos oprimidos, pelos pobres e pelos que gostam que viver na contramão. Meu desprezo pelo conservadorismo, pelo fundamentalismo religioso. Minha irritação pelos caretas, impiedosos, de coração duro, pelos mesquinhos, pelos tacanhos e toscos, pela ignorância, pelo autoritarismo, pela intransigência e pela prepotência.
por Lucy Girard
Um aborto de cachorro do pânico em minha vida, fui atrás do mentor da existência que estava no meu pé de barro escondido numa viela suja dentro do barco de fumaça preta do again. Lá encontrei um pedaço da cor de minha dor suja e naveguei no azul do inferno colorido pelo incolor remédio que tomei naquela fria geladeira cascuda e o vermífugo fez mal a Adele.
por Lucy Girard

(imagem: Ilustração de Olex Oleole)

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Vou mergulhar no seu caos
Vou me deixar cair, cair, cair...
Vou me despedaçar em seu abismo
Vou me vestir de seus espinhos
Vou me entregar ao seu desejo
Vou provar de sua divindade
Na epifania do êxtase
Na benção dionisíaca
No Nirvana!
Retomar a origem
Voltar a ser poeira cósmica!
Até nada ser!
Até evaporar!
Purpurinando-me no caos!

Ressuscitando no dia seguinte
Vou me banhar em seu leite
Saciando a luxúria insana
Aceitarei ser consagrada por ti
Ao redor do fogo
Ser transformada na luz da tua criação
Na invenção da Volúpia
Em transe dionisíaco imersa em seu destino
Não arredarei-me de ti
Dançarinos do fogo
Vejo um cisne de luto
E indago:
-O que se fez dele?
-É o corvo, do baobá faz morada!
Respondeu o cisne.
Melancolicamente choro!
Navego no rio do meu próprio pranto
Sigo em caminho desconhecido
A esmo ando pelas areias tórridas do deserto
É da imensidão do cosmos
Assim caminhante perdi-me no tempo
Desmaiada de cansaço
E penso em ti com a descomunal energia de amantes
Num idílico devaneio sinto seus lábios úmidos tocando os meus lábios
Meu maior sonho é real?
Não sei...
Miro longinquamente o baobá azulado
Chego mais perto
Avisto o corvo negro
Ele abre as asas e abriga-me

Por Lucy Girard