quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Carta ao que vive no Reino dos Encantados...
por Lucy Girard

Andava distraída pelo Vale dos Encantados, um lugar longínquo, quando me deparei com um semideus apolíneo. De face delicada, olhos encovados; a boca delineada com delicadeza. Um rosto de menino doce e aprontador. Constituía um perigo para desavisados ou desavisadas.
A delicadeza era certa em todo o corpo dele; uma mistura explosiva de feminilidade e masculinidade. Suas nádegas guardavam ousadia anatômica. Pescoço longo lhe emprestava elegância.  Um homem alto de pernas longas será mesmo uma criatura humana? Poderia ser um cisne rebelde e inquieto.
O Vale dos Encantados é o local destinado a abrigar pessoas inexistentes do ponto de vista do pragmatismo ordinário que a vida impõe. Na verdade, seres com problemas de adaptação são enviados para lá em busca de viver etereamente. Certamente, ele deveria ser alguém inadaptado ao modo pragmático e cru da existência humana.
Somente os de fértil imaginação têm condições de enxergar essa outra esfera da existência. Creio que em sonhos estive lá, algumas raras vezes. Sei disto porque o encontrei e travei relações muitos cordiais com este ser etéreo. Eu o amei profundamente! Sei que se estivesse ao meu alcance diariamente iria me viciar letalmente neste homem. Um ser que certamente, morou dentro de meu ideal, por isso, penso que ele só pode pertencer a este mundo onírico.
Oh! Deuses do Olimpo, deuses inventados pelos homens o tragam de volta para mim. Deem-me a chave para que possa penetrar neste lugar inebriante novamente! Nem que seja por milésimos de segundo. Deixem-me reviver em minha pele esta sensação de estar viva e extremamente jubilosa. Não sei se posso acreditar em tudo porque quando a alegria é intensa, o medo de perdê-la se torna constante e é muito perturbador.
Falaria a ele assim:
--Não sei viver sem ti! Sua ausência traz-me sempre tua lembrança perto de mim. A primeira imagem que me vem à mente, ao despertar, é a tua. Não consigo enjoar de ti. Quero publicar ao mundo que estou enamorada de ti. Não me importo com as mentes alheias. Só me importo em dar continuidade a este sentimento inquietante e, ao mesmo tempo, tão arrebatador que somente a tua presença me traz. Fico imbecil quando estou perto de ti. Mas é algo tão sublime que este lado ridículo é desprezado.
Venha invadir-me de doçura. Não sei se esta doçura é tua ou se é característica deste arrebatamento que me invadiu, sem pedir licença. Sinto-me entregue a ti. Faça o que quiser comigo. Se eu sofrer será um sofrimento digno de grande drama, e então, tu me darás a oportunidade de expor ao mundo que um dia vivi a sublime intensidade de amar. Inventarei verdades esplêndidas para descrever minha vida ao teu lado. Não serão mentiras por serem inventadas, mas serão verdades adornadas de emoção do encontro contigo. Juntos poderemos plantar jardins de encantamento, cinzas e azuis. Poderemos adornar as vias de acastanhadas, como seus olhos; com a profundidade de seus olhos de menino. Olhos penetrantes e vivos. Olhos que me olham fundo. Olhos que procuram cumplicidade e afeto.

-- Não sei quanto tempo este idílio vai durar. Não repouso minha preocupação sobre este detalhe. Claro que gostaria que durasse minha existência toda nesta humilde vida, somente para ter abundância de alegria.  O que sei é pouco: quero viver até a última gota deste sentimento de esplendor enquanto estiver vivo e pulsante. Isso me basta! Quando perceber que a morte está à espreita, ainda recusarei entregar-me.  Quando notar que não há luto, nem reviravoltas, nem dor, nem nada... então certamente o enterro já foi feito. Então pousarei nas asas do corvo azul e seguirei por caminhos desconhecidos.
Não desejo que sofra por qualquer motivo. Mas devo lembrar-lhe que quando há entrega de alma o sofrimento, não proposital, é inevitável. Viver é sentir, por isto temos cinco sentidos, se assim não fosse teríamos apenas um. Sei que o esplendor é estar ao seu lado e te sentir pulsante em minhas entranhas. É a beleza de nossos movimentos sensuais na intimidade. É te sentir me invadir mesmo quando tua carne já não está presente. É ouvir tua voz doce ao telefone. É vadiar contigo num dia qualquer. É passear em tua companhia pelas sombras noturnas do outono.
Meus ouvidos sempre estarão abertos para sua dor, se tiver desejo de dividi-la comigo, será uma honra para mim ser tua cúmplice! Pode abusar de minha amizade.
Não preciso de nomeações para o que há entre nós, embora saiba definir muito bem em meu íntimo o que existe de fato. Existe a nobreza de um sentimento nascendo ardentemente. Urgente!  Seguiremos para onde a estrada seguir até quando for permitido.
Antes quero dizer a ti que deves investir em sua imaginação. És um cara iluminado porque sabes dizer o que está em teu íntimo com beleza. Siga andando sempre em direção a ti. Mergulhe em ti, que encontrarás algo. Deixe as mãos falarem em textos, não somente com as baquetas. Voe alto por dentro de ti. Os iluminados têm a resposta para o mundo dentro de si, mesmo que não saibam qual é esta resposta. Busque e encontrará! Não tenha medo de ti, não se distraia com substâncias feitas para te desviar de si mesmo. Deixe Apolo guiar seus passos; ordenar o caos da criação dionisíaca. Tu tens a criação dentro de ti. Segure firme e siga neste caminho. Vá. Dioniso quer te infernizar, te desviar do teu rumo, mas não acredites nas doces mentiras dele. Apolo pode ser duro nas palavras, mas não é perverso.
Mas não desprezes Dioniso por completo. Ele é o fervilhante pai do caos da imaginação, onde mora a criação humana. Não se esqueça de pedir a Apolo que te mantenha lúcido. Com a mente sã.
Tu és uma criança linda! Peço-te, que não te deixes perder em mãos demoníacas. Cuide de ti, assim como estás cuidando agora. Mas se precisar de ajuda, não hesite em pedir.
Tu és o milagre inesperado em minha vida. Minha querência por ti é tão grande que marcará minha eternidade. Juntos já temos escrito histórias raras com nossas vidas!
Por ora, meu discurso acabou. E o faço em tua homenagem!

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